Para ensinar a ler
Rosaura Soligo
Durante
séculos, em alguns países, uns poucos escravos aprenderam a ler em condições
extremamente adversas, às vezes arriscando a própria vida para um aprendizado
que, devido às dificuldades, acabava levando vários anos.
Hoje,
às vésperas do século XXI, o Brasil é um país em que 50% das crianças de 1ª
série são retidas no final do ano porque não conseguem aprender a ler. E que o tempo médio de escolaridade no ensino
fundamental é de 12 anos, quando deveria ser
de 8 anos apenas. Inúmeros
especialistas em dificuldades de aprendizagem afirmam que não mais de 2% das
crianças possuem comprometimento cognitivo real, ou seja, não são capazes de
aprender os conteúdos escolares como as outras.
Se a esmagadora maioria das crianças pode aprender, é preciso então
considerar que há um sério comprometimento nas práticas de ensino, ou seja, a
escola não está conseguindo cumprir seu mais antigo papel - ensinar a ler
e escrever.
É
preciso que, cada vez mais, sejam socializados os conhecimentos disponíveis a
respeito dos processos de aprendizagem:
quanto mais os professores souberem como as crianças constróem suas
aprendizagens, melhor poderão ensiná-las.
Afinal, ensinar de fato é fazer aprender.
Há
muito tempo um cem número de estudiosos têm procurado desvendar a relação
entre os olhos e o cérebro, da qual
depende a compreensão no processo de leitura. Nas últimas três décadas, especialmente o conhecimento
sobre os processos de compreensão dos textos
escritos avançou bastante mas ainda não conseguiu desvendar
inteiramente a complexidade do ato de ler.
Já há mais de cem anos, descobriu-se que, quando
lemos, nossos olhos não deslizam linearmente sobre o texto impresso: os olhos saltam pela página
e esses saltos acontecem numa
velocidade de cerca de duzentos graus
por segundo, três ou quatro vezes por
segundo. Possivelmente durante os
saltos acontece o que se poderia
chamar de adivinhações, já que nesse
momento os olhos não vêem propriamente.
O tempo de fixação dos olhos a cada vez é cerca de 50 milésimos de segundo e a distância entre as fixações
depende da dificuldade oferecida
pelo material lido. O que os
olhos vêem depende muito do conhecimento que se
tem sobre o que está sendo visto. Quando sabemos muito sobre o
conteúdo do texto e quando a
linguagem é fácil podemos
ler até 200 palavras por minuto silenciosamente – a leitura em voz alta
demora mais pois os olhos se
movimentam mais rápido do que é possível
pronunciar as palavras lidas. Algumas
das principais condições que
determinam o processo de leitura: habilidade
e estilo pessoal do leitor, o
objetivo da leitura, o nível de conhecimento prévio, o assunto
tratado e o nível de complexidade oferecido pelo texto.
Os
olhos captam diferentemente, em um mesmo espaço
de tempo, uma mesma quantidade de
letras quando são apresentadas em uma seqüência
ao acaso, em forma de
palavras ou de uma sentença . Os
olhos captam aproximadamente 5
letras de uma seqüência apresentada ao acaso, mas esse número sobe
para 10 ou 12 quando se trata de
palavras conhecidas e não relacionadas e 25 (mais ou menos cinco palavras) quando se
trata de uma sentença significativa. Quanto mais os olhos puderem
se apoiar no significado, ou
seja, naquilo que faz sentido para quem vê, maior eficácia da leitura.
O psicolingüista Frank Smith
relativiza o poder da visão ao afirmar
que “Sempre damos demasiado crédito aos olhos por enxergarem.
Freqüentemente seu papel na leitura é supervalorizado. Os olhos não
vêem absolutamente em um sentido literal. O cérebro determina o que e como
vemos. As decisões perceptivas do
cérebro estão baseadas apenas em parte na informação
colhida pelos olhos, imensamente aumentadas pelo conhecimento que o
cérebro já possui”. Em outras palavras poderíamos dizer que a gente vê o que a gente sabe.
Assim,
é preciso considerar que há dois fatores que determinam a leitura: o texto
impresso que é visto pelos olhos e
aquilo que está “por trás” dos olhos: o conhecimento prévio
que o leitor possui. Uma criança
ainda não alfabetizada pode ser extremamente
informada sobre o assunto tratado
pelo texto que tem diante de si e sobre
os diferentes aspectos da linguagem e,
mesmo assim, ser ainda incapaz de ler
porque não dispõe dos recursos de
decodificação necessárias à leitura. Ela
tem muito conhecimento prévio mas não é ainda capaz de desvendar a informação captada por
seus olhos. Mas o contrário também ocorre: o leitor domina perfeitamente a língua mas, por falta de familiaridade com o assunto tratado, acaba
não conseguindo compreender o texto que
tem diante dos olhos.
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