terça-feira, 26 de novembro de 2013

  Para ensinar a ler

Rosaura Soligo

            Durante séculos, em alguns países, uns poucos escravos aprenderam a ler em condições extremamente adversas, às vezes arriscando a própria vida para um aprendizado que, devido às dificuldades, acabava levando vários anos.
            Hoje, às vésperas do século XXI, o Brasil é um país em que 50% das crianças de 1ª série são retidas no final do ano porque não conseguem aprender a ler.  E que o tempo médio de escolaridade no ensino fundamental é de 12 anos, quando deveria ser  de 8 anos apenas.  Inúmeros especialistas em dificuldades de aprendizagem afirmam que não mais de 2% das crianças possuem comprometimento cognitivo real, ou seja, não são capazes de aprender os conteúdos escolares como as outras.  Se a esmagadora maioria das crianças pode aprender, é preciso então considerar que há um sério comprometimento nas práticas de ensino, ou seja, a escola não está conseguindo cumprir seu mais antigo papel - ensinar a ler e  escrever.
            É preciso que, cada vez mais, sejam socializados os conhecimentos disponíveis a respeito dos processos  de aprendizagem: quanto mais os professores souberem como as crianças constróem suas aprendizagens, melhor poderão ensiná-las.  Afinal, ensinar de fato é fazer aprender.
            Há muito tempo um cem número de estudiosos têm procurado desvendar a relação entre  os olhos e o cérebro, da qual depende a compreensão no processo de leitura. Nas últimas  três décadas, especialmente o conhecimento sobre os processos  de compreensão  dos textos  escritos avançou bastante mas ainda não conseguiu  desvendar  inteiramente  a complexidade  do ato de ler.
            Já  há mais de cem anos, descobriu-se que, quando lemos, nossos olhos não deslizam linearmente sobre  o texto impresso: os olhos saltam  pela página  e esses saltos acontecem  numa velocidade  de cerca de duzentos graus por segundo, três ou quatro  vezes por segundo. Possivelmente  durante os saltos  acontece o que se poderia chamar  de adivinhações, já que nesse momento  os olhos não vêem propriamente. O tempo de fixação  dos olhos  a cada vez é cerca de 50 milésimos  de segundo e a distância entre as fixações depende  da dificuldade  oferecida  pelo material  lido. O que os olhos vêem  depende  muito do conhecimento  que se  tem sobre o que está sendo visto. Quando sabemos muito sobre o conteúdo  do texto e quando a linguagem  é fácil  podemos  ler até 200 palavras por minuto silenciosamente – a leitura  em voz alta  demora mais  pois os olhos se movimentam  mais rápido do que é possível pronunciar as palavras lidas. Algumas  das principais condições  que determinam o processo de leitura: habilidade  e estilo  pessoal do leitor, o objetivo  da leitura, o nível  de conhecimento prévio, o assunto tratado  e o nível  de complexidade oferecido pelo texto.
            Os olhos captam diferentemente, em um mesmo espaço  de tempo, uma mesma quantidade  de letras quando são apresentadas em uma seqüência  ao acaso, em forma  de palavras  ou de uma sentença . Os olhos  captam aproximadamente 5 letras  de uma seqüência  apresentada ao acaso, mas esse número  sobe  para 10 ou 12 quando  se trata de palavras  conhecidas  e não relacionadas  e 25 (mais ou menos cinco palavras) quando se trata  de uma sentença  significativa.  Quanto mais os olhos  puderem  se apoiar  no significado, ou seja, naquilo que faz sentido para quem vê, maior eficácia da leitura.
            O psicolingüista Frank Smith relativiza o poder da visão  ao afirmar que “Sempre damos demasiado crédito aos olhos por enxergarem. Freqüentemente  seu papel  na leitura é supervalorizado. Os olhos não vêem absolutamente em um sentido literal. O cérebro determina o que e como vemos. As decisões perceptivas  do cérebro estão baseadas apenas  em parte  na informação  colhida pelos olhos, imensamente aumentadas pelo conhecimento que o cérebro já possui”. Em outras palavras poderíamos  dizer que a gente vê o que a gente sabe.
            Assim, é preciso considerar que há dois fatores que determinam a leitura: o texto impresso que é visto pelos olhos  e aquilo que está “por trás” dos olhos: o conhecimento  prévio  que o leitor  possui. Uma criança ainda não alfabetizada pode ser extremamente  informada  sobre o assunto tratado pelo texto que tem diante de si  e sobre os diferentes aspectos  da linguagem e, mesmo assim, ser ainda incapaz  de ler porque não dispõe dos recursos  de decodificação  necessárias à leitura. Ela tem  muito conhecimento  prévio mas não é ainda capaz  de desvendar a informação captada por seus  olhos. Mas  o contrário também ocorre: o leitor  domina perfeitamente  a língua mas, por falta  de familiaridade com o assunto tratado, acaba não conseguindo compreender o texto  que tem diante dos olhos.




[1] Texto produzido para publicação nos cadernos da TV Escola 1999.

Nenhum comentário:

Postar um comentário